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quinta-feira, 13 de maio de 2010

BICICLOTECA NA RUA

DESCONSTRUÇÃO

Da lotação, distante eu vejo um imenso prédio em formação, não enxergo através da névoa de fim de outono e para meus olhos o edifício ascende no céu como por mágica, hoje tem vinte andares, amanhã terá cem e depois mais quantos. Mas posso adivinhar os trabalhadores quando escuto as vigas de aço soarem como sinos sem fé sob os golpes de marreta, então penso nas estalactites de sal que o suor colocou no queixo desses homens, penso na pele de cal que levam apegada à pele parda e nas chispas azuis nos cabelos de arranhar os céus com a cabeça. Eles são as células vivas do corpo urbano que se multiplicam e enredam os tecidos da cidade e assentam a carne no osso e correm sangue na carne e tecem sobre tudo uma pele macia de gesso e azulejo. Mas quando concluem um corpo, que surge perfeito e jovem no horizonte, o câncer da ambição o cobiça, espreita suas entradas abertas e logo se instala, o câncer ocioso e invasivo vem num comboio de células destrutivas e expulsa os feiticeiros da pedra, proíbem as moléculas que se desdobraram em corpo de habitar-se. Os trabalhadores exaustos voltam pro longe com pouco plasma nos estômagos, falta alimento pro núcleo, terão de edificar outros ossos no vazio.

E se o vento descascar a tinta das paredes coloridas e as chuvas lavarem a massa corrida sobre o cimento e se a estação serena, sem motivo aparente, corroer as vigas de aço que escorrerão pelo prédio feito lava e as escadas se esticarem, degrau por degrau, numa rampa imensa subindo pra além das nuvens e os elevadores despencarem pra cima e pairarem – satélites – ao redor da terra e se de dentro das muralhas de cimento, que irão se desfazer em fragmentos, no íntimo do concreto rijo, lentamente desconstruído, encontrarmos coisas disformes, meio sólidas meio liquidas e também gasosas, feito âmbar, feito resina de tronco… O que serão esses antigos fósseis conservados nos muros, entre os tubos de água e os fios enérgicos, que mistério terão de indecifrável. E então quando os cientistas romperem a fina camada de cera que envolve essas bolhas com seus bisturis brilhantes, asas imensas que atravessam a matéria evadirão pelas fendas e numa revoada de luzes viajarão dos laboratórios em busca de seus donos… São o tempo, o suor, os sonhos e o esforço fossilizado dos obreiros que inventaram montanhas no vácuo, enxertando nelas a própria substância… Dos esqueletos de mil prédios, milhões de asas surgirão e num tornado de plumas voarão até seus senhores despidos, abrindo caminho entre os destroços e espanando o pó das ruas e os homens que a muito haviam sido privados do seu dom alado, terão de volta força e desejo, braço e tempo, pra construir-se mundo.



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